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terça-feira, 4 de março de 2008

LUCRO E COOPERATIVA

LUCRO E COOPERATIVA

Um aspecto básico da definição da cooperativa é não ter lucro, associação sem fins lucrativos. Uma sociedade de pessoas físicas onde as obrigações tributárias recaem sobre elas. Pode ter resultados financeiros no balanço anual, os quais serão rateados aos sócios segundo a utilização dos serviços, proporcionalmente ao trabalho realizado, o resultado financeiro não é lucro.

Quando se afirma que a cooperativa é uma organização sem fins lucrativos, muitos cooperados assumem uma postura de incredulidade, ironia ou certo ar de cumplicidade. Chegam a afirmar que cooperativas não têm lucro “entre aspas”. Se isto acontece com o cooperado, imagine o que passa na cabeça de quem não está familiarizado com o sistema cooperativo. No caso, na visão dos funcionários do Estado com formação e lógica da arrecadação para o fisco todos são suspeitos de sonegar, até provar o contrário? Temos aqui também o caso da linguagem importada de um sistema econômico determinado, para outro de natureza distinta. É necessário não vacilar e evitar confusões na comunicação tanto no interior do sistema como com a sociedade. Evitar desgaste no diálogo com os funcionários do Estado e com legisladores no momento de elaborar leis e normas.

Este é um conceito estratégico, um dos conceitos pétreos da doutrina cooperativista do qual devemos ter claro entendimento, assim como seus desdobramentos em relação ao Mercado, ao Estado e à comprovação contábil. É um conceito que faz parte da identidade histórica, teórica, doutrinária e prática cotidiana do cooperativismo. Fundamentar que a cooperativa é distinta na sua natureza jurídica, econômica permitirá argumentar que a cooperativa, como diz a Constituição, deve “receber tratamento tributário adequado” e não um tratamento impróprio similar às sociedades mercantis lucrativas, como vem acontecendo. Ligado a esta questão está outra ambigüidade conceitual, cooperativa é ou não é empresa? Uns argumentam que sendo a cooperativa empresa visaria lucro e o fisco deve cobrar tributos. A cooperativa não busca lucro, o que não significa que seja ineficiente e seu objetivo seja produzir perdas, pois se perde é liquidada. A questão é mais complexa e de conceitos.

O lucro como conceito é função e lógica do capital, remunera o capital, não o trabalho. A base da economia mercantil é buscar o lucro. Se na cooperativa não existe separação entre o capital e o trabalho o que sobra, o excedente, é o resultado que vai melhorar a qualidade de vida dos seus associados com melhores produtos e serviços aos membros da cooperativa.[1] A cooperativa é empresa ao organizar meios econômicos com capital (quota-parte/capital social), dispor de recursos físicos (máquinas, instrumentos), tecnologia, pessoas que, articuladas, têm por fim prestar serviços ao associado, que é inclusive viabilizar seu trabalho no mercado Por outro lado, o ter ou exercer o caráter econômico, não significa que a cooperativa seja uma empresa mercantil. Não tem finalidade de gerar lucro para um proprietário, que é o capitalista (Ver: Cooperativa).

É necessário fundamentar e explicar os princípios e métodos que explicitam a natureza não lucrativa do sistema cooperativo, diferenciando do sistema mercantil capitalista, cujo objetivo e fim é justamente o lucro. A contabilidade, os registros e controles cooperativistas devem refletir a doutrina. Por esta razão, é política e tecnicamente importante um esforço dos organismos de segundo e terceiro graus implementar normas de harmonização de conceitos ajustadas inclusive a cada modalidade de cooperativa..

Estão relacionados com o entendimento da ausência de lucro nas cooperativas vários princípios e conceitos presentes na matriz histórica de Rochdale e na prática do cooperativismo. A origem está no conceito de eqüidade: os fundadores buscavam evitar a iniquidade na distribuição dos bens. Além disso, estão nos fundamentos como os Valores, ajuda mútua, solidariedade. As legislações nacionais apontam conceitos com significados específicos que devem ser entendidos, também, para permitir a compreensão da natureza peculiar da cooperativa, tais como: excedentes, sobras, juros limitados ao capital, princípio da distribuição dos excedentes e sobras, capitalização, os fundos de reserva, a invariabilidade do valor das quotas partes, a devolução de ativos em caso de liquidação. A empresa também é um conceito relacionado à ausência de lucro na cooperativa. Paul Lambert define empresa nesta direção: “Empresa é um grupo hierárquico de pessoas, que vendem bens ou serviços a um preço além do custo ou que cobre aproximadamente o custo” . A empresa pode ser, portanto, capitalista, pública ou cooperativa e deve ser auto-suficiente.[2]

A ausência de lucro é um elemento de identidade do sistema cooperativista e não se reduz mecanicamente a distribuir excedentes em proporção ao uso do associado e nem favorecer as atividades lucrativas, de associados. Se assim fosse, grupos econômicos que em si mesmo não realizassem ganhos poderiam abrigar-se no sistema cooperativista, articulados a empresas lucrativas, deformando o sistema. Um grupo de empresários assim organizados não poderia ser considerado de natureza cooperativa.

Por esta razão, a questão está associada ao tema dos juros limitados ao capital. O fato do dinheiro por si gerar poder e riqueza foi criticado por Aristóteles, e a Igreja Católica instituiu o “pecado da usura”. Vários precursores do cooperativismo foram inimigos declarados dos juros. Para atrair capital e contribuições, estabeleceu-se a remuneração do capital limitada, no início a 3,5%, depois 5%. Os pioneiros de Rochdale impuseram o princípio dos juros limitados, para eliminar a distribuição dos excedentes com base no capital e apontando à construção permanente da organização cooperativa.

No caso da empresa capitalista, esquematicamente, o conceito de lucro está relacionado com o custo. Este inclui a compra de bens elaborados, matérias primas, valor do trabalho, juros ao capital, depreciação, amortização, impostos, seguros, etc. necessários para realizar a atividade lucrativa. Esta diferença, limitada ou não, entre custo e preço de mercado e a remuneração do capital do empresário, é denominada ganho ou simplesmente lucro. Se a empresa for por ações, é o dividendo.

No caso da empresa cooperativa, se reconhece também os diversos fatores que compõem o custo, deduzidos do preço de venda; no caso de bens, resta uma diferença - o excedente cooperativo ou sobras. Sua distribuição não acontece segundo as quotas-partes dos associados. Pode até ser reconhecido um juro limitado, mas destina-se a remunerar parte do trabalho, fundos de benefícios comuns, educação, benefícios e serviços através da cooperativa, como um instrumento comum.

O conceito de excedente ou sobra na cooperativa não se limita ao ganho ou lucro da empresa mercantil. O lucro corresponde totalmente ao capital. Na cooperativa, o excedente se reparte proporcionalmente ao uso dos serviços, benefícios recebidos, resultado do trabalho, se reconhece parte das contribuição de capital (quota-parte) a juros limitados. Na cooperativa de trabalho, a sobra é uma “espécie de erro” para cima da estimativa de custos a ser rateado entre os associados. Na cooperativa, essa definição não é uma questão de semântica, mas de fundamento (a falha na estimativa de custos é um crédito ao cooperado). Isto é diferente se a origem for de doação, de operações com terceiros, de resultado do trabalho.

O retorno das sobras ao associado é uma devolução do que foi cobrado a mais ou repassado de menos, nas retiradas provisórias durante o ano antes de efetuar o balanço geral. Por isto que o balanço da cooperativa é “zero”. O que poderia ser catalogado como lucro, que são os fundos indivisíveis em caso de liquidação da cooperativa não pode ser distribuído aos associados individuais, mas a entidade similar. No Brasil, com o fim do BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativo, extinto durante o governo Collor), ficou um “vazio legal” nesta questão do destino dos fundos indivisíveis. Os Estatutos das cooperativas deveriam prever, no caso de liquidação ou extinção, deixar fundos, bens e patrimônio às Federações do Ramo, às OCEs ou SESCOOP. Este último, por orientar seus fundos à educação e treinamento cooperativista. O ideal seria um Fundo Comum de direção colegiada, destinado à promoção e à educação cooperativista, inclusive, as atuais multas aplicadas à cooperativa inadequadas, que o Ministério Público do Trabalho está destinando ao FAT-Fundo de Amparo ao Trabalhador. (Ver: Cooperativa).

NOTA. A linguagem, as palavras não são neutras, revelam intenções, significados. Analisando a relação da linguagem com a cultura e o comportamento, o jornalista Alaor Barbosa (revista Exame) fez algumas considerações sobre o LUCRO que contribui para ampliar o entendimento do tema no cooperativismo. A cooperativa é uma “empresa sem fins lucrativos”, este conceito tem sido de difícil compreensão. Segundo o jornalista, a palavra lucro tem a mesma raiz que logro. Os romanos utilizavam indistintamente, para referir-se a vantagens - negativa ou positiva - obtidas em uma transação. Com o tempo, o termo lucro foi sendo utilizado pelas classes mais cultas, enquanto nas camadas populares, para o mesmo conceito, se expressava com o termo logro. Seria esta a razão pela qual na cultura brasileira, o lucro obtido por uma empresa é visto como algo negativo. Esta proximidade histórica entre as palavras lucro e logro terminam por confundir os conceitos. Na língua inglesa, o termo para lucro é profit, cuja raiz é proficiency, que remete a idéia de eficiência na solução de problemas. Naquela cultura, o lucro, está associado à idéia de mérito, competência, e não ao vantagismo e à idéia de lesar o outro. A forma de denominar certas relações sociais trazem embutido uma concepção. No caso do salário, no Brasil, para se referir à remuneração de alguém, usamos o verbo ganhar.. tanto. Já em inglês se expressa com o verbo fazer (to make). Que implicações psicossociais para alguem que ganha e para quem faz seu salário? Aqui, entende-se que, se o trabalhador ganha, a empresa dá.
[1] Temos escutado cooperativistas afirmarem: certo! a cooperativa não tem lucro, mas o cooperado sim. No caso da cooperativa de trabalho, entendemos que o trabalho produz excedente, renda. Renda para o cooperado e não lucro, pois não é capital. Este é um tema para a Teoria Sócio -econômica do Cooperativismo, analisando como funcionam, como são valorizados os fatores (capital, trabalho assalariado, trabalho associado, tributos, subsídios, dinheiro, mercado, oferta, demanda e preços) em uma “Economia Sem Fins Lucrativos”.
[2] Paul Lambert, “La Doctrina Cooperativa”. Ed. Intercoop-BsAs. 1961 pág. 164, apud, Carlos U. Garzon, Bases del Cooperativismo, pág. 238,Colombia.

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